Ao visitar essa bela cidade que hoje é Matera, você consegue imaginar como era viver nas casas escavadas na rocha? Em que situação a população vivia, em quais condições?
Se você passeia pela cidade e não presta atenção a esses detalhes, a uma porta, uma janela, uma cisterna, uma igreja escavada, é praticamente como se nunca tivesse estado em Matera. De fato, cada cantinho dos Sassi é fascinante, uma viagem nas origens da nossa civilização. Vale muito a pena conhecer o centro histórico com calma e, sobretudo, visitar a parte interna de uma dessas antigas casas escavadas na rocha.
Como tudo começou
Imaginem que 25 mil anos atrás, no coração da Basilicata, um planalto tão bem exposto e composto de rochas de tão fácil escavação, que os homens da era neolítica decidiram criar ali uma cidade, escavando no calcário gruta por gruta, casa por casa. Por mais de 25 mil anos, portanto, o homem nunca deixou de habitar os Sassi de Matera. Por isso, entrando no centro histórico, a sensação é de uma profunda comunhão com um passado distante, com as raízes da humanidade.
A facilidade de manuseio da rocha típica daquela área, chamada calcarenito, é extraordinária. É robusta como todos os tufos, mas também é uma das mais finas que existem. Tendo uma textura muito compacta, dá para escavar blocos inteiros sem que se quebrem. É por isso que, provavelmente, foi essa facilidade em escavar e modelar a pedra que contribuiu para atrair até Matera aqueles que foram os primeiros, lá no início da história da humanidade, a desejar construir uma casa.
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O início do declínio
Por vários séculos se viveu bem nos Sassi de Matera. Originalmente, era uma jóia urbanística com canais de escoamento e cisternas, hortas e jardins suspensos, temperatura constante das grutas de 15ºC, graças ao material da rocha, o tufo, que a tornava uma cidade salubre e bem protegida.
Uma casa-gruta era como uma célula de um organismo mais complexo, a “vizinhança”, a qual compartilhava alguns serviços comuns, como o poço ou o forno. Inteiros bairros, especificamente o Sasso Barisano e o Sasso caveoso, foram escavados na rocha e o resultado foram habitações rústicas constituídas por um único ambiente. O acesso se dava por uma ampla abertura na entrada, da qual entrava também a luz solar.
Mas tudo isso, a partir do século XVII, foi por água abaixo com a crise urbana e social ligada à modernização que atingiu Matera, prejudicando a pequena economia agrícola-pastoral e beneficiando os latifúndios.
Com a transformação de Matera em sede da Regia Udienza Provinciale, houve um grande desenvolvimento na cidade, mas também um excessivo crescimento demográfico. Assim, começaram a construir habitações por todas as partes, as hortas e jardins foram substituídos por estalas e outros andares, as cisternas se tornaram casas-gruta para os mais pobres.

Como era viver nas casas escavadas na rocha?
Com uma população que crescia cada vez mais e ainda vivendo nas piores condições de higiene possíveis, viver nas casas escavadas na rocha era terrível, desumano.
“Dentro daqueles buracos negros de paredes de terra, eu via as camas, os móveis miseráveis, os panos estendidos. No chão ficavam deitados os cães, as ovelhas, as cabras, os porcos. Cada família tem, em geral, somente uma daquelas grutas para viver e ali dormem todos juntos, homens, mulheres, crianças, animais.” (trecho do livro Cristo parou em Eboli, de Carlo Levi. Tradução minha).
Carlo Levi, em seu romance Cristo parou em Eboli, fez uma espécie de denúncia das péssimas condições de vida das pessoas que habitavam os Sassi de Matera, e que o resto do mundo, até então, parecia desconhecer.
Nas casas escavadas na rocha viviam a família, os animais (porcos, galinhas, jumentos, etc, que inclusive eram os maiores bens da família), todos no mesmo ambiente. Não havia ventilação, senão proveniente da porta de entrada e nem saneamento básico. Abaixo da superfície normalmente havia uma cisterna e um interessante sistema de coleta e escoamento da água da chuva, visto que em Matera não há um lençol freático.
Na cama, dormia o casal mais uns quatro filhos. Os outros menores dormiam nos bancos cobertos por palha, no berço e os recém nascidos, enquanto ainda cabiam, dormiam na gaveta da cômoda que ficava ao lado da cama.
Logo ao lado ficava a cozinha com os utensílios domésticos, as panelas e a mesa onde se faziam as escassas refeições. A parte mais interna da gruta servia de estrebaria e armazém.



Uma curiosidade re-vol-tan-te:
Na hora da refeição (talvez uma por dia, com o que tinha), o chefe da família e aqueles que contribuíam para o sustento da casa, ou seja, os filhos homens mais velhos, eram os primeiros a se servir. A esposa, sendo a “administradora” dos recursos do lar, podia desfrutar de um tratamento melhor, em relação às outras mulheres da família.
Por sua vez, as meninas, consideradas menos produtivas, muitas vezes ficavam quase sem comer e deviam se contentar do pouco que restava, após todos terem comido.
Todos os dias os homens levavam os animais de carga e de pasto para os campos, onde ficavam a maior parte do dia, enquanto havia luz solar. Por outro lado, mulheres, crianças e idosos ficavam responsáveis pelas tarefas domésticas. No entanto, eles também passavam boa parte do dia fazendo a “social” com os vizinhos. Sendo uma casa colada na outra, a vizinhança geralmente era muito unida.
Uma vergonha para a Itália
Matera, em 1952, foi definida “vergonha nacional”. Foi então que, a partir deste momento, uma lei dispôs uma gradual desocupação das casas dos Sassi de Matera e os habitantes se transferiram para um novo bairro, construído propositalmente para receber essa parte da população. No novo bairro havia até mesmo uma estrebaria, afinal se tratava sempre de camponeses. Enfim, as casas dos Sassi passaram a ser de propriedade do Estado italiano. Posteriormente, em 1986, iniciou a recuperação e repovoamento dos Sassi e esse processo ainda dura até hoje.
Os Sassi, já vazios, conheceram um longo período de abandono. De fato, o centro histórico de Matera mais parecia uma cidade abandonada. Por outro lado, acabou também se tornando um lugar perfeito para gravar filmes, sobretudo bíblicos.
Após o saneamento do Sasso Barisano e do Sasso Caveoso, voltaram a viver no local cerca de 2500 pessoas. Os visitantes têm aumentado cada vez mais, principalmente difusão da fama da cidade através do cinema e do fato dela ter se tornando Patrimônio Mundial da Unesco.
Como visitar uma das casas escavadas na rocha originais
Eu visitei a Casa Cisterna subterrânea (tem áudioguia em português). Ela é perfeitamente restaurada, e lá você pode descobrir como era a vida nas casas típicas Matera. Além disso, os móveis e utensílios são originais e é impressionante caminhar dentro deste espaço tão limitado, onde as famílias (numerosas, com vários filhos!) viviam, inclusive com seus animais de estimação (porcos, jumentos, etc).
Da Páscoa até metade de Setembro, é possível visitar a casa das 10 às 20h. De outubro a março, das 10 às 18h. O bilhete custa somente 2 euros. A casa fica na Ponte S. Pietro Caveoso, 39. Veja mais informações sobre ela.
Tour em Matera em português
Faça um passeio guiado em Matera com uma guia que fala português.
Uma resposta em “Matera: Como era viver nas casas escavadas na rocha?”
Já estive em Matera. Demais! Encantador andar por suas vielas e apreciar o ambiente da Itália antiga. Gostaria de voltar.